sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A Cenoura o Ovo e o Café

Uma amiga minha, cujo pai é cozinheiro, sabe que eu gosto de avaliar as circunstâncias e aprender com todas as coisas. Vem muitas vezes ter comigo para conselho e uma das últimas, há cerca de um mês, veio queixar-se da vida que levava, como tudo era tão difícil. E tinha razão, parece haver pessoas com tudo facilitado a quem tudo de bom acontece sem esforço. Mas a ela acontecia o contrário. Mal tinha acabado de resolver um problema, aparecia outro ainda maior. Quando uma oportunidade surgia, logo algo tinha de acontecer para estragar tudo. Separou-se do marido num divórcio feio, estava a pontos de perder a casa para o banco porque não podia pagar o empréstimo, a filha mais velha não parava em casa e andava com companhias pouco recomendáveis, o patrão iria despedi-la em breve porque tinha arranjado uma máquina nova que poupava 25 postos de trabalho, tinham-lhe descoberto há menos um mês uma úlcera em risco de rebentar. Enfim, estava cansada de lutar contra as circunstâncias, mas tudo à volta conspirava para lhe atrapalhar a vida. 

Na altura, eu, estudioso da natureza humana, aconselhei-a a ter confiança e a não desistir, dei-lhe força e ânimo para continuar a lutar. A coisa funcionou... por alguns dias. Ela animou-se um pouco, mas por pouco tempo, rapidamente as sombras e o desânimo a consquistaram de novo.

Ontem veio falar comigo, completamente transformada. Mal a reconhecia, vinha muito arranjada, cabelo bonito, rosto maquilhado e um sorriso que começava nos olhos. Fiquei muito impressionado com a mudança e, por momentos pensei que ela tinha ganho a lotaria ou coisa parecida. Perguntei-lhe se os meus conselhos tinham finalmente dado resultado. A energia, a motivação e esperança que eu tinha transmitido finalmente pareciam surtir efeito.

Ela sorriu muito divertida e respondeu-me:
-"Nada disso. Obrigado pela ajuda, mas foi o meu pai o responsável pela minha mudança."
."O teu pai? O cozinheiro?"- Eu mal podia acreditar que uma pessoa simples, sem estudos e fechado numa cozinha de um restaurante de 2ª, pudesse ser o responsável por tão grande transformação.- "Como?"
- "Ele viu-me muito abatida com tudo o que me tem acontecido e chamou-me à cozinha. Sem dizer nada colocou três tachinhos com água ao lume e num pôs uma cenoura, noutro um ovo e no terceiro umas colheres de pó de café. Eu perguntava o que ele queria, mas ele não dizia nada a não ser que esperasse um pouco. Os minutos passavam e eu estava a ficar aborrecida a cirandar de um lado para o outro enquanto ele se envolvia nos seus afazeres e os tachinhos continuavam ao lume. Passados uns bons vinte minutos chamou-me, apagou os bicos do fogão e tirou a cenoura para um pratinho, depois fez o mesmo com o ovo e colocou um pouco do café numa chávena. Então perguntou-me: "que aconteceu aqui?" Como eu não sabia o que responder ele continuou: "nas mesmas circunstâncias, que é a água a ferver, a cenoura que era firme tornou-se mole e frágil, o ovo que era frágil, tornou-se rijo e forte mas o melhor de todos é o café: ele mudou a água." Entendi que tinha de mudar a minha forma de entender as coisas, não interessa lutar contra as circunstâncias, mas mudar essas circunstâncias mudando-me a mim. Eu era como uma cenoura, fiquei fraca e débil, tu ensinaste-me a lutar contra tudo e todos e deste-me força como o ovo, mas o meu pai ensinou-me que eu posso mudar as circunstâncias mudando de atitude."

Eu fiquei boquiaberto e muito impressionado. Aprendi essa lição. Amanhã vou à festa de anos dessa minha amiga. Despediu-se do emprego, assim o patrão já não a irá despedir e, com a ajuda de dois colegas da fábrica, anunciou a todos os fornecedores e clientes da empresa que se tinha despedido. Não tardou a ser contratada por um deles com aumento de salário e de regalias. Bateram-lhe no carro ontem mesmo, mas o seguro deu-lhe outro de substituição e pagará todas as despesas. O homem que lhe bateu no carro até é vizinho e nunca se tinham encontrado antes.


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