quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O gatinho

O gatinho acordou um dia e estava sozinho. A mãe desaparecera, e a meia dúzia de irmãos também... talvez alguém os tenha apanhado e colocado num balde de água para os afogar, como é costume na vizinhança fazerem aos gatinhos nascidos de pais vadios, numa tentativa de acabar com a gataria na zona.
O problema é que ele estava cheio de frio e de fome. Começou a miar e a procurar a mãe por todo o lado mas não a encontrou. Foi procurar comida, guiado pelo olfato, mas as tampas dos contentores de lixo, que o seu pequeno tamanho não impediu de trepar, estavam bem fechadas e a refeição tornou-se impossível.
Chegou a noite. O vento foi vencido por um abrigo debaixo da escada de uma vivenda, mas o frio e atravessava a pelagem ainda fina e fazia doer os ossos. Não dormiu nada. A fome dava-lhe dores de barriga.
O dia seguinte passou-o na mesma busca. Nem mãe, nem comida. Instintivamente ele sabia que morreria se não encontrasse uma solução para a sua vida. Chegou a noite e a fome apertava mais que nunca.
Então reparou que por cima da escada onde tinha passado uma noite e se preparava para passar a segunda havia uma porta de vidro e de lá de dentro vinha um aroma delicioso, acompanhado de vozes de crianças a brincar e a rir. A esperança acendeu-lhe a alma e correu para a porta. Lá dentro uma família jantava e ria no quentinho de uma lareira acesa. 
O gatinho então desatou a miar com quanta força tinha. Sabia que se pudesse entrar ali estaria salvo. Miou, miou, miou. A certa altura a porta abriu-se e o pai daquela família gritou: "sai daqui vadio!". e deu-lhe um pontapé que o atirou para o outro lado da rua.
Aquilo doeu. Doeu tanto como dói a única oportunidade perdida de vez, por causa das acções ou opiniões de outros. O gatinho da história voltou para debaixo da escada e passou outra noite sem dormir e sem comer. Quando amanheceu estava muito fraquinho. O estômago doía-he muito e o frio não o deixava parar de tremer. Ele sabia que iria morrer em breve.
Quando chegou a noite de novo,  o desespero levou-o outra vez à porta de vidro. Lembrava-se bem do pontapé da véspera, mas a fome e o frio, e a visão da lareira e da mesa farta deram-lhe coragem. Colocou-se com o narizinho junto ao vidro, a olhar lá para dentro e desatou a miar, miar e miar. 
Passado um ou dois minutos a porta abriu-se e o pai gritou: "Outra vez aqui? Vai-te embora!" E atirou-lhe um pontapé ainda mais forte que o primeiro. O gatinho voou e caíu sobre uma pedras amontoadas do outro lado da estrada. 
Muito desanimado enrolou-se debaixo da escada e enquanto tremia de frio preparou-se para morrer. No dia seguinte o sol apareceu. O gatinho tinha adormecido e abriu os olhos. viu o sol e deslizou de debaixo da escada para se aquecer um pouco. Estava tão fraco que mal podia caminhar. Tentou ir em busca de comida, mas estava demasiado cansado. Sabia que não sobreviveria outra noite ao relento.

Quando chegou a noite, debaixo da escada, pensava nos meninos dentro de casa, no aroma da comida e no calor da lareira, e pensava em ir de novo miar ao pé da porta. Mas vinham-lhe de novo à memória os gritos do pai e os pontapés. "Deixa estar. Estás aqui bem.", decidia então.  A barriga já não lhe doía, e até o frio parecia coisa normal, estava anestesiado pela proximidade da morte e sentia-se confortável.

Então, do fundo dos seus instintos, veio-lhe uma energia inesperada, sem querer saber dos pontapés, ou das opiniões do pai ou de quem quer que fosse, e sem pensar sequer se teria sucesso ou não, arrastou-se escada acima e foi-se colocar mesmo em frente à porta a olhar lá para dentro enquanto as crianças brincavam. Só conseguia miar muito baixinho, mas com as garras conseguiu arranhar a porta. A cada miado e a cada arranhadela estava a preparar-se para o pontapé que ele sabia ser o último mas nunca desistiu. Então a porta abriu-se e uma menina gritou "olha que gatinho tão lindo!" Os irmãos vieram a correr e levaram-no para dentro.

O que o gatinho não sabia é que os pais tinham saído nessa noite para ir ao cinema e as crianças queriam tanto um gatinho que os pais já estavam cansados de os ouvir. Quando chegaram a casa não tiveram coragem de dizer não às crianças e hoje aquele gatinho é um grande gato.

Tudo porque decidiu lutar só mais um dia.


quinta-feira, 23 de outubro de 2008

5 mil euros... por 5 minutos.

Eu moro na Serra de Aire e Candeeiros e por aqui há muitas pedreiras. É realmente uma das principais indústrias da região a produção artesanal da famosa calçada portuguesa. Os artesãos são muito bem pagos, já que esta é uma arte difícil e antiga, e os clientes pagam muito bem porque a qualidade deste pavimento tem renome mundial em beleza, prestígio e qualidade.

Um dos principais empresários da região, um destes dias, tinha uma máquina avariada. É função desta máquina extraír da terra esventrada enormes blocos de calcário, branco ou azul escuro, consoante o caso. No caso presente deveria estar a fornecer 14 operários com os ditos blocos de pedra azul para eles a cortarem com o martelo quadrado em pequenos cubos de cerca de 5 cm de lado. O preço desta pedra cortada manualmente é muito superior ao do calcário branco, pelo que o empresáro estava muito preocupado com a avaria da máquina: parada dava um enorme prejuízo e iria sem dúvida nenhuma atrasar aquela encomenda para o Japão.

Veio o mecânico e montou, desmontou, tornou a montar, coçou a cabeça e disse: "não sei o que se passa, tenho de pedir ajuda ao meu chefe, para mandar cá um especialista da marca". 

O empresário soprou irritado, olhando para os 14 homens parados e para o cais de carga ainda vazio. "Então ele que venha já. O dia vai adiantado e se não resolvemos isto hoje, amanhã é mais um dia perdido". Sob a pressão dele o técnico da marca viajou mais de 50 km para chegar à pedreira ainda com luz do dia. Com ele vieram mais 3 mecânicos numa carrinha com muitas peças sobressalentes. Seria impossível que o problema ficasse por resolver. Chegou a noite, os 14 homens foram para casa sem terem feito nada, os mecânicos ligaram os projectores sobre a máquina e ficaram a trabalhar pela noite dentro.

No dia seguinte, quando os operários chegaram ainda a máquina estava parada, com 4 homens em volta, por cima e em baixo, a tentarem pô-la a funcionar devidamente. O patrão chegou e ficou muito zangado com a situação. Barafustou, falou do prejuízo de mais de 20 mil euros, da incompetência dos mecânicos. Por fim o técnico da marca que liderava as operações veio falar com o patrão.

"Olhe, passámos aqui toda a noite e não conseguimos resolver o problema. Fizémos tudo o que podíamos fazer. Acho que, nestas circunstâncias só nos resta desistir e chamar o Sr. Avelino". 

"E quem é esse Avelino?" Perguntou o patrão. O técnico respondeu: " é a pessoa que mais sabe destes sistemas electrónicos e hidráulicos. Se ele não souber... ninguém sabe." "Chame lá o homem então!" Ordenou o patrão.

Passadas que foram duas horas, o meio dia a proximar-se, os 14 homens parados, os mecânicos, o técnico e o patrão sentados em cima de umas pedras, chegou o Sr. Avelino num carro a cair de velho. Aproximou-se do grupo que se levantou de um pulo e perguntou o que se passava. O fato-macaco velho e uma maleta de ferramentas que mais parecia a mala surrada de um médico, chamaram a atenção do patrão que o cumprimentou desconfiado.

Sem dizer mais nada, foi até à máquina, desaparafusou uns parafusos, soltou uma tampa, pegou no martelo e deu três pancadas secas em alguma coisa. Fechou a tampa e mandou operar a máquina. Parecia milagre. Ficou a funcionar como nova e todos puderam voltar ao trabalho.

O patrão agradecido perguntou quanto era e o Sr Avelino respondeu: 5 mil euros, estendeu-lhe uma factura e dirigiu-se para a carripana velha onde tinha vindo.

"Espere, espere!" gritou o patrão. "por favor tome esta factura e envie uma outra detalhada, para ver se eu percebo como é que a conta é tão elevada! Você não esteve aqui nem 5 minutos e deu três marteladas!!"

O Sr Avelino respondeu: "Tudo bem aqui vai a descriminação: três marteladas: 1 Euro, saber onde e como bater: 4999 euros".



sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A Cenoura o Ovo e o Café

Uma amiga minha, cujo pai é cozinheiro, sabe que eu gosto de avaliar as circunstâncias e aprender com todas as coisas. Vem muitas vezes ter comigo para conselho e uma das últimas, há cerca de um mês, veio queixar-se da vida que levava, como tudo era tão difícil. E tinha razão, parece haver pessoas com tudo facilitado a quem tudo de bom acontece sem esforço. Mas a ela acontecia o contrário. Mal tinha acabado de resolver um problema, aparecia outro ainda maior. Quando uma oportunidade surgia, logo algo tinha de acontecer para estragar tudo. Separou-se do marido num divórcio feio, estava a pontos de perder a casa para o banco porque não podia pagar o empréstimo, a filha mais velha não parava em casa e andava com companhias pouco recomendáveis, o patrão iria despedi-la em breve porque tinha arranjado uma máquina nova que poupava 25 postos de trabalho, tinham-lhe descoberto há menos um mês uma úlcera em risco de rebentar. Enfim, estava cansada de lutar contra as circunstâncias, mas tudo à volta conspirava para lhe atrapalhar a vida. 

Na altura, eu, estudioso da natureza humana, aconselhei-a a ter confiança e a não desistir, dei-lhe força e ânimo para continuar a lutar. A coisa funcionou... por alguns dias. Ela animou-se um pouco, mas por pouco tempo, rapidamente as sombras e o desânimo a consquistaram de novo.

Ontem veio falar comigo, completamente transformada. Mal a reconhecia, vinha muito arranjada, cabelo bonito, rosto maquilhado e um sorriso que começava nos olhos. Fiquei muito impressionado com a mudança e, por momentos pensei que ela tinha ganho a lotaria ou coisa parecida. Perguntei-lhe se os meus conselhos tinham finalmente dado resultado. A energia, a motivação e esperança que eu tinha transmitido finalmente pareciam surtir efeito.

Ela sorriu muito divertida e respondeu-me:
-"Nada disso. Obrigado pela ajuda, mas foi o meu pai o responsável pela minha mudança."
."O teu pai? O cozinheiro?"- Eu mal podia acreditar que uma pessoa simples, sem estudos e fechado numa cozinha de um restaurante de 2ª, pudesse ser o responsável por tão grande transformação.- "Como?"
- "Ele viu-me muito abatida com tudo o que me tem acontecido e chamou-me à cozinha. Sem dizer nada colocou três tachinhos com água ao lume e num pôs uma cenoura, noutro um ovo e no terceiro umas colheres de pó de café. Eu perguntava o que ele queria, mas ele não dizia nada a não ser que esperasse um pouco. Os minutos passavam e eu estava a ficar aborrecida a cirandar de um lado para o outro enquanto ele se envolvia nos seus afazeres e os tachinhos continuavam ao lume. Passados uns bons vinte minutos chamou-me, apagou os bicos do fogão e tirou a cenoura para um pratinho, depois fez o mesmo com o ovo e colocou um pouco do café numa chávena. Então perguntou-me: "que aconteceu aqui?" Como eu não sabia o que responder ele continuou: "nas mesmas circunstâncias, que é a água a ferver, a cenoura que era firme tornou-se mole e frágil, o ovo que era frágil, tornou-se rijo e forte mas o melhor de todos é o café: ele mudou a água." Entendi que tinha de mudar a minha forma de entender as coisas, não interessa lutar contra as circunstâncias, mas mudar essas circunstâncias mudando-me a mim. Eu era como uma cenoura, fiquei fraca e débil, tu ensinaste-me a lutar contra tudo e todos e deste-me força como o ovo, mas o meu pai ensinou-me que eu posso mudar as circunstâncias mudando de atitude."

Eu fiquei boquiaberto e muito impressionado. Aprendi essa lição. Amanhã vou à festa de anos dessa minha amiga. Despediu-se do emprego, assim o patrão já não a irá despedir e, com a ajuda de dois colegas da fábrica, anunciou a todos os fornecedores e clientes da empresa que se tinha despedido. Não tardou a ser contratada por um deles com aumento de salário e de regalias. Bateram-lhe no carro ontem mesmo, mas o seguro deu-lhe outro de substituição e pagará todas as despesas. O homem que lhe bateu no carro até é vizinho e nunca se tinham encontrado antes.


terça-feira, 7 de outubro de 2008

O Cão e o Prego

Havia um vendedor que costumava passar às quintas feiras numa determinada região e comia comida rápida à hora do almoço. Um dia encontrou um amigo de longa data que lhe recomendou um  restaurantezinho enfiado na serra onde serviam, às quintas feiras, um arrozinho de cabidela com galo caseiro que era uma especialidade. Ora o nosso amigo, assim que se encontrou de novo na região foi ao dito restaurante provar o referido galo caseiro. 

Logo ao entrar, notou, do lado de fora e relativamente afastado da porta, um cão a gemer e a ganir. Ainda pensou, assim de repente, que fosse um cão vadio qualquer, mas estava bem tratado e tinha ali a 3 metros uma bela casota de cão. Sem prestar muito mais atenção, o vendedor entrou e sentou-se num lugar perto da janela para apreciar a paisagem serrana. Mandou vir o galo e foi comendo umas azeitonas com pão caseiro enquanto esperava. Lá fora a vista estendia-se a muitos quilómetros e até alegrava a alma, mas o som agudo dos gemidos do cão começava a incomodá-lo. Ao olhar para ele, parecia de perfeita saúde, mas, ali deitado e a gemer, poderia muito bem estar doente. Um uivo mais agudo despertou-o dos pensamentos ao mesmo tempo que chegava o dono da casa com um tachinho de barro fumegante.

-"Ouça lá!", disse o vendedor, "Que se passa ali com o cão? Está doente?"
-"O cão? Nãaa, tá perfeitamente bem."
-"Então porque é que está a ganir e a uivar?"
-"É que tá deitado numa tábua velha que tem um prego, e o prego tá-o a aleijar."

O vendedor começou a rir, "olha que cão idiota", pensou. Depois perguntou:

-"Então, se o prego o está a magoar, porque é que ele não se vai embora?"
-"É que", respondeu o dono, "dói-lhe o suficiente para se queixar, mas não o suficiente para se mexer".

O vendedor agradeceu o galo, e enquanto o apreciava ia pensando com os seus botões "este cão é como certas pessoas que conheço... queixam-se, queixam-se, mas não fazem nada para saír de cima do prego".


segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O Lenhador

Um jovem lenhador em busca de trabalho chegou a uma floresta onde estava um grande grupo de lenhadores e pediu para falar com o capataz. Depois de lhe indicarem onde encontrá-lo, ele lá foi, confiante e de machado de lâmina brilhante ao ombro, em direcção à barraca de tábuas que servia de cozinha, refeitório e dormitório para os 25 homens.

Encontrou um homem rude, de poucas palavras, que simplesmente resmungou quando o viu entrar. Por cima da cabeça dele havia um letreiro que dizia: "PRÉMIO DE 1000€ A QUEM BATER O RECORDE DE CORTAR ÁRVORES".

-"Eu sou o Serradura. Não terá por acaso aí um trabalho para mim?"
-"Mmm... não tens ar de muito forte. Darás conta do recado?"

O Serradura acusou o golpe e, olhando para o letreiro, perguntou: 

-"Qual é o recorde de cortar árvores aqui do estaleiro?"
-"Oito, mas o homem que o conseguiu é muito mais alto e forte que tu!"
-"Não faz mal. Dê-me o emprego e verá!"

O capataz olhou  de lado, mediu-o de alto a baixo e abanou a cabeça.

-"Arruma a tua tralha no último beliche ali ao fundo. Levantar às 6."

No dia seguinte, levantou-se como os outros, comeu uma bucha e foi cortar árvores. Parou para almoçar, trabalhou toda a tarde e à noitinha, ao chegar ao estaleiro os outros homens ouviram que ele ia tentar bater o recorde. Então juntaram-se todos à sua volta e o capataz perguntou-lhe:

-"Quantas árvores?"
-"Sete", disse cheio de confiança.

"Ficou perto" murmuraram os outros homens enquanto se preparavam para a janta. Eram ruidosos enquanto comiam, mas o Serradura comeu apressado e em silêncio, depois foi-se deitar.
No dia seguinte acordou mais cedo que os outros e trabalhou duramente toda a manhã. Parou para o almoço e trabalhou toda a tarde. Quando chegou ao estaleiro, ao mesmo tempo dos outros homens, estes voltaram a reunir-se em volta dele e o capataz perguntou:

-"Quantas?"
-"Seis", respondeu, desta vez um pouco triste.

Todos se dispersaram a abanar a cabeça e foram jantar. O Serradura comeu apressado, determinado em bater aquele recorde no dia seguinte, foi dormir e sonhar com árvores a caír e a receber os 1000€ de prémio.

No dia seguinte levantou-se mais cedo que ou outros, trabalhou a manhã toda, não parou para almoçar, trabalhou a tarde toda e chegou mais tarde que todos os outros. Ao chegar já estavam todos a jantar ruidosamente, a rir e a contar piadas. Quando o viram calaram-se todos e o capataz perguntou:

"-Quantas árvores cortaste?"
"-Cinco". Voltou as costas e foi-se embora com os pés a arrastar. Nunca mais foi visto por ali.

O que fez com que fracassasse um homem determinado, sem medo de trabalhar, motivado e competente? Muito simplesmente havia uma coisa que ele não sabia acerca do anterior recordista: depois do jantar, enquanto conversava com todos e ria em volta da fogueira, ia afiando o seu machado com o qual se poderia barbear pela manhã, de tão afiado.



terça-feira, 30 de setembro de 2008

O Frasco de Maionese

Um professor de filosofia iniciou a aula em silêncio, colocando alguns objectos em cima da secretária à sua frente. Como não dizia nada, os alunos começaram a mexer-se nas cadeiras, primeiro, depois a cochichar uns com os outros. Todos se calaram quando ele começou a encher um grande frasco de vidro com um determinado número de bolas de golfe, até ficar cheio.

Depois perguntou à turma: “O frasco está cheio?” e todos concordaram que sim, o frasco estava cheio, nem mais uma bola de golfe lá caberia. 

O professor então pegou num saquinho de seixos pequenos e despejou-o dentro do frasco. Os seixos rebolaram pelos espaços entre as bolas de golfe e assim o professor despejou o saquinho.

Em seguinda perguntou à turma: “O frasco está cheio?” e os alunos, agora mais atentos, responderam que sim, que agora estava cheio. 

Sem dizer uma palavra, pegou num saquinho com areia e começou a despejá-la dentro do frasco. À medida que os grãzinhos se infiltravam nos espaços livres deixados pelas bolas de golfe e pelos seixos, alguns alunos começavam a rir-se, divertidos, a ver onde aquilo iria chegar. Não poderia ir muito mais longe, afinal quantas mais coisas se poderiam enfiar naquele frasco de vidro? Quando terminou de despejar toda a areia, o professor perguntou de novo: “O frasco está cheio?” e todos concordaram que, antes realmente não estava, mas agora está, definitivamente cheio. 

Então o professor emitiu um sorriso rasgado e retirou duas chávenas de café de debaixo da secretária e começou a despejá-las para dentro do frasco. Os alunos começaram todos a rir, não só da esperteza do professor, mas também da própria ignorância, como se tivessem sido apanhados numa partida. O café escorreu das chávenas até à última gota, preenchendo os espaços deixados livres pela areia. 

“Agora”, disse o professor, “gostaria de comparar o frasco com a vossa vida. As bolas de golfe são as coisas mais importantes para vocês: A saúde, a família, o dinheiro, os amigos, as coisas que vos apaixonam. São as coisas que, mesmo que o resto desaparecesse, a vossa vida ainda assim seria completa.

Os seixos são as outras coisas de muita importância nas vossas vidas, como a casa, o carro ou o emprego.

A areia representa tudo o resto. As coisas pequenas, os pequenos caprichos, as preguiças de fim de semana, os passeios, a comida e a bebida, enfim, o que para cada um fôr pouco importante. 

Quem entendeu esta lição?”-alguns alunos levantaram a mão e, a um sinal do professor, um deles respondeu: 

“Isto significa que, se fizermos primeiro as coisas mais importantes, teremos tempo para fazer tudo o que precisamos.” 

“Muito bem”, atalhou o professor, “mas não só isso! O facto é que se colocares primeiro a areia no frasco, os seixos já não caberão. E se colocares primeiro os seixos, as bolas de golfe já não caberão. Ou seja, se gastares a maior parte do teu tempo e da tua energia com a areia, não podes esperar possuir também as bolas de golfe e, aos poucos, a tua vida deixa de fazer sentido. Presta atenção às coisas que são críticas para a tua felicidade e coloca-as à frente de tudo, em tempo e importância. Brinca com os teus filhos, dá um mimo à tua mãe, ou à tua esposa ou esposo conversa com o teu pai e o teu filho pequenino, toma conta de ti, do teu bem.estar e da tua saúde física, mental e financeira.” 

Um dos alunos então, levantou a mão e perguntou: “Então e as chávenas de café?”

O professor sorriu “ainda bem que há alguém atento na sala!” e respondeu:

“As chávenas de café são somente para mostrar que, por muito cheia que a tua vida possa parecer... há sempre tempo para um cafezinho e dois dedos de conversa com o teu melhor amigo”.


Rui Gabriel, http://ziglo.blogspot.com

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Suma e Ravi

O Suma é um elefante asiático gigantesco, que mora no circo Rasjhani desde que nasceu há 40 anos. Os 5 metros de comprimento, 3 de altura e 5 toneladas de peso fazem dele o mais imponente do grupo, composto por mais 3 machos, 7  fêmeas e 4 crias. Não se pode queixar muito, já que o tratador, Ravi Rasjhani, nascido na mesma semana de Suma, sempre se certificou que nada lhe faltasse e foi sempre cuidadoso, mesmo quando lhe dava as vergastadas que o seu pai o obrigava a dar quando tinham ambos 6 ou 7 anos. 

Quando não está a actuar na pista está preso por uma pata com uma cordinha a uma estacazinha cravada no chão, a mesma cordinha e a mesma estacazinha desde que nasceu. 

O pai de Ravi, falecido há três anos, treinara os dois ao mesmo tempo, o Suma para executar habilidades na pista e ficar quieto preso à estacazinha, e o Ravi para o punir ou premiar, conforme o caso, e agradecer os aplausos do público. Desde sempre a vida fora dura, com episódios de fome e necessidade, alternados com algumas alegrias em dias de muita plateia.

Quando eram pequenos, o Suma odiava a estaca e a corda. Quando era amarrado, no intervalo dos treinos, debatia-se e lutava, puxava e acometia contra aquela estaca de metade do seu tamanho, mas impossível de arrancar por um elefantezinho bébé. A cordinha também mostrava uma resistência muito maior que a força dele. Fazia feridas horríveis na pata, e depois tinha de dormir com dores durante muitas noites. Quando a ferida sarava, tentava de novo a fuga, mas, novamente sem sucesso. Um dia, cansado, convenceu-se de que nunca conseguiria arrancar aquela estaca nem partir aquela corda e desistiu. Tinha 2 anos. Os anos seguintes foram de árduo esforço. Treino e mais treino, depois descanso e comida, pouca e má. Em dias de actuação o descanso era menor mas a comida melhorava. 

O Ravi queria ir para a escola. O seu sonho de menino levava-o com a mãe até à professora para o ensinar a ler e escrever. Contra a vontade do marido, a sra. Rasjhani procurava um professor ou professora em cada nova cidade e continuava os estudos do pequeno Ravi, com as interrupções próprias de uma vida ambulante. Quando fosse grande queria ser doutor, ter uma familia feliz e ser rico, de dinheiro e do resto, e nunca mais ter de passar sem jantar. A mãe morreu tinha ele 12 anos e o pequeno nunca mais pôs um pé numa escola. Com o passar dos anos a rotina do dia a dia instalou-se e passaram vinte e oito anos de trabalho intenso, muitas preocupações, muitos dias de chuva e nevoeiro e desespero e fome. Quando estava sozinho, nas épocas mais difíceis em que o público não aparecia e não havia dinheiro para comer, fechava os olhos e via-se no seu iate, em alto mar, a lutar com um espadarte do tamanho de um tigre segurando-o pela linha, depois colocava-o no barco e trazia-o para terra onde era admirado por todos. De seguida vendia o peixe em leilão a algum dos comerciantes das redondezas por tanto dinheiro como fazia o circo em 6 meses. Depois de abrir os olhos voltava a sentir a chuva a cair no pano de tenda e os animais a urrarem com fome. 

Na semana passada apareceu no circo um homem muito bem vestido de aspecto simpático e muito rico. Queria falar com o Ravi, o dono do circo. Possuia ele próprio muitos circos, espalhados pelo país e mesmo no estrangeiro. Nos seus circos, pessoas e animais eram felizes e levavam alegria e espanto a muitos milhares de pessoas através das suas actuações. Os artistas tinham escolas para os filhos, as crianças muitos amigos com quem brincar. Os animais viviam à solta e participavam da vida diária do circo, mesmo fora das actuações.  O homem ouvira falar do circo Rasjhani há alguns anos atrás quando uma criança, espectadora, caíra à arena durante a actuação dos leões. A criança fora mordida mas escapara com vida depois de acossados os leões com os chicotes e os gritos do tratador.

O homem trouxera uma chita elegantíssima que se comportava como um cãozinho, mesmo sem trela seguia o homem em todos os seus movimentos e estava tão tranquila naquele ambiente de circo desconhecido como se estivesse na sua própria tenda. 

Quando Ravi chegou à tenda das visitas, o homem estava de pé, observando fotos de actuações antigas, ainda com o pai de Ravi, penduradas nos postes,  com a chita sentada aos seus pés. Depois das boas vindas e do chá de cortesia, o homem começou a falar. A chita levantou-se e saíu para a rua, sozinha, debaixo do olhar ansioso de Ravi e do sorriso confiante do dono.

 - “Quero comprar este circo.”- Afirmou- “Antes de responder porém,  meu caro senhor Ravi, devo dizer-lhe que possuo muitos outros circos e que tenho larga experiência no ramo. Todos eles são altamente rentáveis e as pessoas que neles trabalham têm mais do que necessitam para viver. O senhor continuaria a trabalhar nele, e depois de feitas todas as remodelações, e de o senhor passar uma temporada em outros circos meus a aprender como gerir dentro da nossa filosofia, eu entregar-lhe-ia a gestão. O nome irá mudar também, porque Rasjhani não é fádil de memorizar (e queremos que o público se recorde do seu nome... certo?). Nos meus outros circos até os animais são tratados como pessoas, e retribuem todas as cortesias que se lhes fazem. É por esse motivo que a minha Shraiz não representa qualquer perigo para qualquer pessoa ou animal e pode deixá-la andar por aí à voltade.

 -“Mas o circo Rasjhani não está à venda...! Era do meu pai, e antes dele, do meu avô. Tem provido sustento à nossa familia e às familias dos nossos artistas e tem sido uma fonte de muitas alegrias.”

 -“Mesmo assim estou interessado em adquiri-lo. E vou dizer-lhe as minhas razões.”- rebateu o homem.

Entretanto a chita Shraiz deambulava pelo espaço, entre cordas esticadas e panos de tenda. Depois de umas voltas em que, sem querer, assustou uns quantos malabaristas que treinavam à sombra, deu de caras com um elefante gigantesco, o maior que já vira, atado com uma cordinha de brincar e uma estaca que pouco mais era que um prego espetado no chão. Não conseguiu deixar de sorrir com a cena que mais lhe parecia uma brincadeira e, na linguagem que só os animais entendem, apresentou-se ao elefante e ouviu-o dizer que se chamava Suma, tinha nascido naquele circo e que ia morrer nele como o seu pai e mãe antes dele. Depois de lhe dizer que também vivia num circo, a chita então convidou-o a darem uma volta pelo espaço do circo e pediu para o elefante fazer as apresentações aos restantes animais mas o Suma respondeu que estava preso por aquela corda e que nunca poderia saír do local onde estava.

Ravi ouvia atentamente:

-“Quando eu era criança, há mais de 50 anos, “- dizia o homem- “O meu pai comprou um leão jovem a um circo vizinho. O leãozinho, que não teria mais de 1 ou 2 anos, estava muito mal tratado, muito magro e cheio de feridas. Nós não precisávamos de mais leões, mas o meu pai teve pena do animal e comprou-o pelo dobro do dinheiro que ele valeria, mesmo se estivesse forte e saudável. Eu era ainda criança e fiquei encarregue de tomar conta dele, dar-lhe comida, tratar-lhe das feridas e prover a todas as suas necessidades. Vi-me então na condição estranha de ser um criado para o meu leão: estava sempre atento às suas necessidades e tentava até antecipá-las; tratava-lhe das feridas, mudava-lhe a cama mais vezes do que mudava a minha, comia depois de lhe dar comer a ele e todas as minhas necessidades passaram para segundo plano. O leão, por outro lado, viu-se na improvável situação de ter um escravo humano sempre ao dispôr e de não ter de fazer absolutamente nada. Ambos crescemos e, quando nos tornámos adultos eu assumi as minhas responsabilidades na administração do circo e o leãozinho que tinha crescido comigo acabou sendo abatido porque não tinha qualquer préstimo e tornou-se violento com pessoas e animais.

Desde que assumi a direcção do circo tenho criado condições para cada pessoa dar o seu melhor, em responsabilidade e liberdade e o método tem resultado tão bem que me posso considerar um homem muito rico, não só de dinheiro, mas também de amizade e realização pessoal. É que a minha paixão é o circo e esta paixão tornou-me melhor pessoa e todos à minha volta se tornaram mais felizes. Por isso, parte do meu trabalho consiste em encontrar circos em dificuldades e ensinar tudo o que sei para os tornar bem sucedidos, trazer confiança aos seus artistas, saúde e bem estar a pessoas e animais e felicidade para todos.”

Ravi não sabia o que dizer. Quando era jovem empresário teria aceitado esta proposta sem pensar duas vezes. Vieram-lhe à memória as aulas abandonadas, o sonho de ser doutor e de ser rico, com uma esposa e família feliz. Tanto tinha sonhado com essa vida de ficção que quase parecia uma memória real, tinha lutado tanto, tantas noites sem dormir, tanta fome e tanta paixão...uma onda de tristeza invadiu-lhe a alma, viu o rumo que a sua vida tinha tornado, como se tivesse sido comandada por algum tratador autoritário e sádico. Sorriu e acenou com a cabeça para um lado e para o outro. “O circo não está à venda”, disse, “por favor, a saída é por aqui. Obrigado por ter vindo”.

A chita não conseguia acreditar no que o elefente estava a dizer. “O quê? Não podes saír daqui porque estás preso com esta corda? Então não vês que é só um cordãozinho amarrado a uma estacazinha que mais parece um palito, comparado com o teu tamanho! Dás um puxão e arrancas isto tudo. Vais para onde quiseres porque ninguém te poderá parar!”.

“Não é bem assim” respondeu o elefante, mais triste que nunca. “Tu não compreendes... não tens uma corda amarrada a uma pata e não sabes o sofrimento que isto traz! Tu não compreendes.”

Então a chita foi-se embora de volta para o pé do dono, sorrindo tristemente e abanando a cabeça. Encontrou-o à espera junto da bilheteira fechada. Olharam ambos para as tendas rotas, as jaulas ferrugentas e os malabaristas sujos de olhos tristes. À entrada da tenda das visitas Ravi via afastar-se o futuro sem sequer tentar agarrá-lo. Suma barriu com força. O homem e a chita voltaram as costas, encolheram os ombros e nunca mais foram vistos.


Rui Gabriel, http://ziglo.blogspot.com

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Nota de Abertura

Este blog é dedicado ao desenvolvimento pessoal e profissional. Será uma colecção de histórias, experiências e recursos com o objectivo de ajudar a criar uma mentalidade activa e próspera. Todos são bem vindos a esta comunidade. Chamei-a de "Ziglo" porque este é o nome de um povo, o protagonista de muitas histórias que inventei para povoar de fantasia a imaginação das minhas filhas quando crianças.

Espero ser útil a todos os visitantes, espero ser inspirado por vós e dar alguma inspiração a alguém acerca de como melhorar a vida, criando abundância em todos os aspectos da vida.
Diz-se que, quando o discipulo está pronto o mestre aparece. Espero estar preparado para ma coisa e outra.